Neurociência: Pesquisadores estão construindo um "cérebro de silício" com a ajuda da IA
Imagine se pudéssemos criar um modelo artificial do cérebro humano tão preciso, exato, que imitasse em tempo real os padrões neurais intrínsecos ao do cérebro humano?
Imagine se pudéssemos criar um modelo artificial do cérebro humano tão preciso, exato, que imitasse em tempo real os padrões neurais intrínsecos ao do cérebro humano?
Pense em um “cérebro de silício”, uma rede neural artificial tão avançada que pudesse decodificar os pensamentos de um ser humano, restaurar a fala para aqueles que a perderam, e talvez um dia, até mesmo gerar um modelo personalizado da atividade cerebral única de qualquer indivíduo.
Você já deve ter visto algo em séries como Black Mirror (o episódio Beyond the Sea por exemplo) ou no filme Transcendence, com o ator Johnny Depp, em que ele interpreta um cientista que copiou o seu cérebro para a Internet.
Mas isso não é ficção científica. É o futuro que estão ajudando a construir.
É aí que entra uma moça chamada Shailee Jain. Ela é pesquisadora de pós-doutorado no Laboratório Chang, situado no Departamento de Neurocirurgia da Universidade da Califórnia em São Francisco (UCSF).
O fascínio de Jain ao longo de sua vida pela complexidade do cérebro despertou seu interesse na ligação entre a neurociência e a inteligência artificial.
Em 2023, Shailee entrou para o laboratório do Edward Chang, MD, na UCSF (Universidade da Califórnia em São Francisco) para estudar redes cerebrais e até mesmo a atividade de neurônios individuais para entender como nossos cérebros alcançam uma característica fundamentalmente humana: a linguagem.
É neste ponto que a coisa começa a ficar interessante…
Pegue um café e algo para comer. A leitura será boa!
A Neurociência e a IA
O cerne da coisa está na ideia de que a IA pode não apenas analisar grandes quantidades de dados, além de nos ajudar a escrever e-mails ou nos dizer quais ações comprar, mas também imitar os aspectos fundamentais do ser humano: a nossa capacidade de pensar, falar e interagir.
Por muito tempo, o progresso da neurociência foi lento, pois não tínhamos a tecnologia correta. Foi então que nas décadas de 80 e 90, as tecnologias para coletar medições cerebrais revolucionaram o campo.
E agora, particularmente no laboratório Chang, os pesquisadores encontraram a possibilidade de registrar a atividade de neurônios individuais do cérebro de uma pessoa enquanto ela está passando por uma cirurgia cerebral. Há apenas 10 anos, pesquisadores e cientistas não achavam isso possível, mas agora, poderão rastrear a atividade de centenas de neurônios individuais, o que é muito emocionante (pelo menos para quem curte ciência e tecnologia :-)).
Isso potencialmente revolucionará nossa compreensão dos circuitos cerebrais, especialmente os responsáveis por comportamentos complexos e exclusivamente humanos, como a linguagem.
Embora esses dados coletados sejam preciosos, para aproveitá-los na sua totalidade, é necessário que sejam utilizadas ferramentas computacionais poderosas. “É aí que o recente aumento da inteligência artificial e minha formação como cientista da computação entram. Tenho esperança de que a fusão da IA a esses novos métodos de medição cerebral transformarão a neurociência”, relata Shailee Jain.
Na UCSF, por meio do laboratório Chang, os pesquisadores têm uma oportunidade singular em coletar tipos incríveis e diversos (e de alta qualidade) de dados cerebrais por meio de seus neurocirurgiões, neurologistas e psiquiatras.
O trabalho de Shailee permite coletar todas essas fontes diversas de dados, colocando-as em uma rede neural artificial. O objetivo é produzir os mesmos padrões de atividade cerebral em sua rede artificial que o cérebro do paciente produz.
As dificuldades em integrar os dados coletados e outras questões
O grande desafio em seu trabalho é integrar todos os dados à sua disposição em um único modelo funcional. Por exemplo, o jMRI (Imagem por Ressonância Magnética Funcional) não é uma medida direta da atividade neural, pois foca em mostrar a quantidade de oxigênio usada em diferentes partes do cérebro, para basicamente saber quais áreas do cérebro estão “trabalhando mais”.
O resultado obtido ao analisar os dados coletados diz o que está acontecendo em centenas de milhares de neurônios. É uma medida aproximada, mas valiosa para poderem visualizar padrões de atividade de todo o cérebro.
Por outro lado, os neuropixels fornecem aos pesquisadores dados de altíssima resolução de neurônios individuais, mas ainda não conseguiram obter uma imagem completa do cérebro. Jain está tentando criar modelos de IA que possam integrar o melhor de todos os mundos. Aos construir modelos que processem muitos tipos diferentes de dados, esperam poder desenvolver um modo de terem uma imagem mais completa do cérebro humano.
A coisa não gira em torno apenas de dados neurais
Jain e os pesquisadores não estão olhando apenas para dados neurais, mas incorporando entradas de textos que um paciente pode ler ou ouvir, a fala que o paciente produz ou ouve e dados comportamentais, como por exemplo o quão bem o paciente entende uma frase específica ou quando consegue resolver um problema de matemática.
Ao combinar todas essas fontes de dados na mesma rede neural artificial, poderão criar um “cérebro de silício” - um modelo que poderá produzir os mesmos padrões de atividade cerebral que um cérebro humano.
Evoluções e benefícios
É aqui que o conceito de um cérebro de silício entra em jogo. Ao treinar uma rede neural artificial com grandes quantidades de dados neurais, originados de muitas pessoas diferentes, acreditam que poderão criar um modelo que não funcione apenas para uma pessoa, mas que possa ser adaptado para funcionar no estilo “pronto para uso” para qualquer paciente.
Imagine um dispositivo que pudesse ser implementado em qualquer paciente sem a necessidade de calibração extensiva, como um dispositivo que pudesse restaurar a fala ou o movimento desde o primeiro dia? Os benefícios são enormes.
Créditos da imagem acima: https://view.genially.com/675b4a6de2d17bbdf7c05316
Condições como esquizofrenia, transtorno bipolar e depressão são muito complexas, envolvendo múltiplas regiões do cérebro e redes interligadas de neurônios. Embora não possam dissecar um cérebro humano vivo para ver como seus componentes funcionam, poderiam fazer isso com um modelo de cérebro artificial.
Ao alimentar um sistema de IA com dados de pacientes com condições neuropsiquiátricas específicas, conseguiriam visualizar padrões em como as diferentes partes de seus cérebros interagem e como essas interações podem dar errado. Isso poderia levar a novos tratamentos mais direcionados quem abordem mecanismos neurais de forma mais clara e direta, em vez de apenas aliviar os sintomas.
Poderiam explorar como certos estímulos ou intervenções afetam a atividade neural um ambiente controlado, permitindo-lhes entender e tratar melhor essas condições. Como o tempo, poderão expandir isso para estudar como o cérebro percebe o mundo externo, recupera memórias, e finalmente, produz um pensamento.
E o futuro?
Ao olhar para 20 ou 50 anos à frente, Jain acredita “que um sistema de IA treinado com dados cerebrais poderia criar um “gêmeo digital” de um cérebro individual. Esses modelos gerados por IA poderiam replicar não apenas a atividade cerebral geral, mas também os padrões neurais específicos de um indivíduo, permitindo insights mais personalizados sobre como o cérebro dessa pessoa funciona”.
Em situações onde seja necessária uma cirurgia cerebral, por exemplo, um gêmeo digital poderia ser utilizado para simular o procedimento e prever seus resultados. Ou ainda, um médico poderia construir planos de tratamento altamente individualizados para condições neuropsiquiátricas com base em padrões exclusivos de atividade cerebral de cada paciente.
As questões éticas
Os pesquisadores ainda estão nos estágios iniciais de tudo isso, e a jornada futura envolverá não apenas refinar esses modelos, mas também de garantir que sejam aplicados de forma ética e justa em ambientes clínicos.
Existem grandes questões éticas envolvidas, especialmente quando se trata de consentimento e privacidade de dados.
Creio que isso seja algo mais sério e profundo do que apenas escanear a iris de uma pessoa (em troca de criptomoedas). Veja aqui a matéria falando sobre isso.
Ao trabalhar com dados do cérebro humano, é crucial garantir que os participantes entendam completamente para o que seus dados serão usados. Também temos que considerar o potencial uso indevido da tecnologia, especialmente se esses modelos se tornarem avançados o suficientes para prever a atividade cerebral individual. À medida que se tornarem mais maduros, precisaremos ter mais conversas sobre o que são esses modelos e do que são capazes.
Ao trabalhar com dados do cérebro humano, é crucial garantir que os participantes entendam completamente para que seus dados serão usados. Também temos que considerar o potencial do uso indevido da tecnologia, especialmente se esses modelos se tornarem avançados o suficiente para prever a atividade cerebral individual. À medida que esses modelos se tornarem mais maduros, precisaremos ter mais conversas sobre implicações éticas. Podemos começar agora educando as pessoas sobre o que esses modelos são e do que eles são capazes. Pense nas implicações.
Conclusão
São ideias provocativas. A tecnologia está progredindo rapidamente, e podemos estar mais perto do futuro descrito. Ao aproveitar a IA, os pesquisadores não estão apenas imaginando o futuro. Estão construindo-o.
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